terça-feira, 18 de junho de 2013

Lidar com a dor

Por que é que a Neo pode ser um local de extrema alegria, mas também de situações profundamente dolorosas? Porque é um local onde são geridas expectativas. E eu tenho a profunda crença de que não há nada pior na vida que expectativas. Ali são depositadas expectativas com a duração dos meses de uma gestação (para além dos meses ou anos prévios de planeamento) que culmina cedo demais criando pais prematuros, de bebés prematuros, que embarcam juntos numa luta diária, e também as de pais de termo, de bebés de termo, aos quais o infortúnio bateu à porta precocemente. E vêem-se os pais a lutar de formas diferentes, em tempos diferentes, com as suas expectativas. Quando a situação lhes é explicada como grave ergue-se, habitualmente, um muro de negação profunda que, profilaticamente, lhes cega a vista e tolda a mente, dando depois lugar, paulatinamente, a um desespero escalado e lacrimejante de quem se vai confrontando aos poucos com o real. E depois a fuga ou a resiliência. Uns tristemente reagem com algum afastamento, desligando um bocadinho daquele bebé fechado numa caixa de cristal, que, de tanto ser cuidado pelas fadas enfermeiras, lhes parece menos seu, ou, pelo menos, como mecanismo de proteção, lhes é mais fácil que pareça. Outros há que se mantêm lá, presentes e constantes, na luta para reclamar o que é tão seu... Chegam cedo, querem aprender, arregaçam as mangas, oferecem o colinho para fazer canguru, as mães tiram leitinho e mais leitinho porque é ouro para o filho, embora este, por vezes, só mame 4mL divididos num dia inteiro... Não sofrem menos, mas entregam-se mais, não se abandonando à total desesperança. E estes bebés têm evoluções muito mais favoráveis. O envolvimento dos pais que conseguem vencer (ou pelo menos não se deixar paralisar por) as suas lutas internas é primordial, mas somos todos diferentes, lidamos todos com a dor de formas diferentes, temos histórias e contextos diferentes e não se pode condenar o afastamento. Há que saber trabalhá-lo e contriá-lo, envolver os pais numa vinculação que se quer construída com alicerces fortes, pelo bem de ambas as partes.
Confesso que me custa muito lidar com a negação, em particular, porque sei a dor latente que esconde, porque sei que mais cedo ou mais tarde, à luz das evidências ou da reconstrução mental, a realidade começa a eclodir causando uma dor crescentemente asfixiante. O segredo é estarmos lá, ao lado dos pais, presentes, sabendo respeitar os mecanismos de "coping" de cada um e sabendo lidar e falar com eles sem "sugar-coating" e sem crueldade, num equilíbrio que se aprende e trabalha ao longo da prática clínica.

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